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Esquerda elege presidente na Guatemala com Bernardo Arévalo

EXTRA | GIRO LATINO

Candidato justifica vantagem nas pesquisas e ‘atropela’ empresária conservadora Sandra Torres no 2º turno; demora na homologação, porém, pode retomar clima de tensão que marcou processo eleitoral

21 de ago. de 236 min de leitura
21 de ago. de 236 min de leitura

O candidato de centro-esquerda Bernardo Arévalo, do jovem partido Movimento Semilla, foi eleito presidente da Guatemala neste domingo (20), dia em que milhares de eleitores foram às urnas para definir o páreo no segundo turno das eleições presidenciais. Com 99% das urnas apuradas na contagem preliminar, a Arévalo levava mais de 58% dos votos, contra pouco menos de 37% de sua adversária, a empresária conservadora Sandra Torres. Os magistrados do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) falaram numa “evidente tendência” nos resultados das eleições, dando a entender que a vitória de Arévalo deve ser oficializada nos próximos dias.

Sociólogo, diplomata e com discreta carreira parlamentar, Arévalo fez história ao desbancar uma velha conhecida da política local – vestindo as cores da Unidade Nacional de Esperança (UNE), uma das principais forças políticas do país e com grande representação no Congresso (saiba mais), Sandra Torres foi derrotada em sua terceira tentativa de chegar ao Executivo. Ela não havia reconhecido a derrota até o fechamento desta edição. A vitória do presidenciável também é significativa em um país historicamente conservador e onde 28% dos eleitores se dizem de direita, segundo pesquisas recentes. 

Nas primeiras horas, Arévalo apenas fez uma postagem discreta com uma foto dele diante de uma série de agradecimentos e a legenda “Viva Guatemala!”. Depois, fez uma rápida live de comemoração e disse que seu plano de governo será garantir os direitos sociais dos guatemaltecos. Também mencionou ter recebido ligações dos seus colegas regionais Andrés Manuel López Obrador, do México, e Nayib Bukele, de El Salvador. Evitando rumores (levantados por Arévalo em uma entrevista recente) de que a futura passagem de faixa poderia encontrar empecilhos, o presidente Alejandro Giammattei parabenizou seu virtual sucessor pela vitória e disse que o processo de transição será iniciado “no dia seguinte à oficialização dos resultados”. 

Nas eleições do primeiro turno, a bancada Semilla conquistou 23 das 160 cadeiras no Congresso, se consolidando como a terceira maior força legislativa. A legenda do presidente eleito só ficou atrás do oficialista Vamos, que elegeu 39 congressistas, e da UNE de Torres, que obteve 28 vagas. Apesar do bom resultado, o Semilla precisará costurar alianças com toda sorte de legendas para garantir a governabilidade.

Partido suspenso, recontagem e candidatos de fora

Se o domingo é de festa, não se pode dizer o mesmo da trajetória de Arévalo até a vitória deste final de semana, bem como do processo eleitoral como um todo. 

Segundo mais votado no primeiro turno em 25/6, o político eleito ficou sob risco de ser retirado do jogo eleitoral após o Ministério Público, considerado o ponto nevrálgico da longa crise política do país, acatar controversas ordens judiciais e suspender o Semilla, partido de Arévalo – a decisão acabaria revertida pouco depois, mas não deixou de gerar desgaste nem de aumentar suspeitas de que uma crise ainda maior poderia estar no caminho. 

O próprio primeiro turno, vale lembrar, aconteceu sob olhares desconfiados, já que quatro presidenciáveis acabaram excluídos do pleito (entenda o contexto) a um mês da primeira votação. O resultado oficial da primeira volta também acabou adiado em função de uma recontagem nacional de votos, fruto de denúncias (pouco consistentes) de fraude nas urnas. Desde então, a Guatemala esteve na mira de observadores internacionais.

Apesar do indicativo do TSE de que uma homologação virá em breve, e do aceno de Giammattei para uma transição tranquila, a derrotada Sandra Torres não havia se pronunciado sobre os resultados mesmo com a apuração preliminar já avançada. Pelo contrário: ela, que nas semanas prévias repetidamente se negou a responder se reconheceria uma eventual derrota, cancelou a coletiva de imprensa que tinha prevista para a noite de domingo, após a abertura das urnas. 

Tal pai, tal filho?

Além de quebrar um ciclo conservador, Bernardo Arévalo gera curiosidade por sua história: ele nasceu em 1958 em Montevidéu, capital do Uruguai, durante o exílio de seu pai, o ex-presidente Juan José Arévalo (1945-1951). 

As comparações são inevitáveis, sobretudo pela agenda progressista que Arévalo filho leva em seu plano de governo, com proposta de moradia, transição energética e promessas de reparo histórico a grupos indígenas marginalizdos. No século passado, Juan José Arévalo ficou conhecido por dar o pontapé inicial em um ciclo de robustas reformas socioeconômicas na Guatemala, incluindo o estabelecimento de salários mínimos e outras leis trabalhistas. 

O projeto de Arévalo pai, porém, terminaria em tragédia: seu sucessor e responsável por dar sequência ao projeto reformista, Jacobo Árbenz, acabaria derrubado por um violento golpe de Estado em 1954, tudo sob o auspício, patrocínio e orientação do serviço de inteligência dos EUA, a CIA. Aquela, inclusive, é considerada a primeira troca forçada de governo na América Latina com envolvimento direto da então jovem CIA, criada pouco após o final da Segunda Guerra Mundial. 

Um dos vários pontos centrais por trás derrubada do ciclo Arévalo-Árbenz foi a revogação de uma série de privilégios fiscais, políticos e territoriais dados à estadunidense United Fruit Company, infame companhia que, ao longo do século 20, virou sinônimo de instabilidade política, abusos e monopólio em países latino-americanos – a tal ponto de, anos mais tarde, mudar de nome, numa tentativa de esconder o passado. 

Agora, a vitória de Arévalo tenta recolocar o país no rumo iniciado pelo pai (e depois frustrado) mais de sete décadas atrás – mas ainda está pendente da homologação dos resultados pelo TSE. O que seria uma formalidade em qualquer outro lugar ainda rende calafrios na Guatemala, onde o Ministério Público e a candidata derrotada parecem não ter esgotado suas chicanas legais para tentar adiar a confirmação do que as urnas disseram. No primeiro turno, foram necessários 17 dias até as autoridades eleitorais confirmarem os resultados – e, exatamente quando essa homologação veio, ocorreu a tentativa do MP de suspender o Semilla e remover Arévalo da disputa. 

É difícil que os resultados deste domingo sejam anulados, mas os guatemaltecos não duvidam que ainda possa haver um ‘terceiro turno’ antes da posse em janeiro.

CAPA: Bernardo Arévalo mostra capa de jornal com a notícia da eleição de seu pai, o ex-presidente Juan José Arévalo (1945-1951). Foto: Johan Ordóñez / AFP


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