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Guatemala: como MP tentou tirar esquerda do 2º turno

GIRO LATINO

Órgão conhecido por perseguir adversários do presidente voltou às manchetes ao forçar canetada contra partido Semilla; presidenciável Bernardo Arévalo e juristas dizem que manobra é inconstitucional

15 de jul. de 237 min de leitura
15 de jul. de 237 min de leitura

Este GIRO já alertou, em edições anteriores, que as eleições gerais da Guatemala seriam problemáticas. Agora, depois de meses de incerteza em função da exclusão prévia de quatro candidatos à Presidência, o caldo engrossou: nas últimas duas semanas, a oficialização dos resultados do primeiro turno, realizado em 25/6, foi suspensa por uma decisão embasada em denúncias de candidatos derrotados que acusaram uma suposta fraude eleitoral. Para piorar, na última quarta-feira (12), colocando mais gasolina no imenso fogaréu, o Ministério Público do país pediu a suspensão do partido de centro-esquerda Semilla, cujo presidenciável, Bernardo Arévalo, havia contrariado as pesquisas e conquistado uma das duas vagas ao segundo turno em 20/8. O pedido foi acatado pela 7ª Vara Penal de 1ª Instância. É nesse contexto que o novo capítulo da trama se desenrola. 

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A primeira das duas bombas foi desarmada antes mesmo de explodir: após inicialmente acatar uma ordem da Corte Constitucional (CC) do início de julho que barrava a divulgação dos resultados do 1º turno e ordenava uma recontagem de votos em todo o país, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) deu meia-volta e, na própria quarta-feira em que o MP estourou uma nova crise, enfim validou os resultados da votação do mês passado, mantendo o calendário eleitoral conhecido. “Os guatemaltecos podem ficar tranquilos”, disse um comunicado do TSE, afastando-se dos questionamentos de outrora e exaltando o que chamaram de um “processo eleitoral confiável e transparente”. 

A tranquilidade, porém, parou por aí. Se por um lado o entrave aos resultados de junho foi rapidamente revertido, por outro, o pedido do MP contra o segundo partido mais bem votado alimentou a crise eleitoral. 

A suspensão da legenda foi comunicada ao público por ninguém menos que Rafael Curruchiche, atual chefe da Procuradoria Especial Contra a Impunidade (FECI, em espanhol). Responsável, em teoria, por ser o ‘braço’ do MP em assuntos de colarinho branco desde a época em que a ONU se instalou no país com o mesmo propósito, a FECI, pelo contrário, tornou-se justamente o pivô da atual onda de judicializações controversas, agindo como centro nevrálgico nos casos de perseguição contra juízes, procuradores, ativistas e jornalistas – com destaque, nesta última questão, para o fechamento do jornal El Periódico e a prisão de seu fundador. Vale lembrar: Curruchiche, o MP e a FECI são acusados há anos de agir de forma questionável aos sabores do presidente Alejandro Giammattei, como explicado pelo GIRO no ano passado.

Presidente guatemalteco Alejandro Giammattei na apresentação de relatório anual do Ministério Público, em maio. Foto: Governo da Guatemala via Flickr
Presidente guatemalteco Alejandro Giammattei na apresentação de relatório anual do Ministério Público, em maio. Foto: Governo da Guatemala via Flickr

Segundo Curruchiche, as investigações da FECI apontaram “irregularidades” e “registros ilegais” no cadastro de pelo menos 5 mil membros do Semilla. Os registros teriam sido feitos até mesmo com “assinaturas falsificadas” e nomes de pessoas “que já estariam mortas”, diz o procurador. A decisão judicial ordenou a suspensão temporária da pessoa jurídica do partido (ou seja, o CNPJ), impediu os candidatos da legenda de assumirem os cargos para os quais foram eleitos e vetou o Semilla de seguir com sua campanha eleitoral – tudo isso enquanto a disputa no segundo turno se desenrola. 

A resposta foi enérgica: candidato à Presidência e chefe do partido, Bernardo Arévalo classificou a canetada como “um golpe de Estado técnico” e “inconstitucional”, prometendo recorrer e avisando que não acataria a “medida espúria e ilegal”. Além de levantar óbvias suspeitas pelo histórico questionável do MP, a investida também causou alvoroço por ir na contramão do Artigo 92 da Lei Eleitoral e dos Partidos Políticos (Lepp): segundo o texto, uma vez convocado o processo eleitoral, passa a ser proibida a suspensão de um partido até que a votação seja realizada. Juristas também apontam que decisões dessa esfera cabem unicamente à competência de órgãos eleitorais. 

Mas, então, o que pensam os magistrados do TSE? Num primeiro momento, a Corte chegou a dizer que sequer havia sido notificada pelo Ministério Público a respeito da tal suspensão. Mais adiante, porém, quando a polêmica começou a esquentar, o próprio TSE deu ‘ganho de causa’ ao Semilla, anunciando que não suspenderia o status legal do partido, conforme indicado pela decisão abraçada pela FECI. Em mais um gol anotado contra o MP, magistrados da Corte Constitucional (CC) também concederam tutela provisória ao partido de Arévalo – que, em outras palavras, não encontra (por enquanto) qualquer obstáculo legal para disputar o segundo turno no próximo mês. O Semilla nega todas as acusações. 

Bernardo Arévalo classificou a canetada como 'um golpe de Estado técnico e inconstitucional'

O clima entre os poderes segue tenso. Acuada e alvo de críticas vindas de todos os cantos – numa lista que inclui a vizinha Costa Rica, os EUA, organizações civis, de imprensa, sindicatos, observadores internacionais, a Organização dos Estados Americanos (OEA), protestos populares nas ruas e até o lobby da exportação – a FECI resolveu trucar, enviando à sede do TSE uma operação de busca e apreensão para vasculhar o cadastro de cidadãos, setor em que estariam contidas as alegadas irregularidades. A presidenta do TSE, Irma Palencia, criticou a condução das buscas, questionando o uso de balaclavas e armas num operativo que, até onde se sabe, envolveria apenas a checagem de documentos antigos. 

Cada vez mais pressionado, o MP respondeu nesta sexta-feira em nota que não tem intenções de interferir no calendário eleitoral ou de “inabilitar a participação de qualquer candidato”; o documento diz, por fim, que o órgão seguirá com as “investigações correspondentes” contra o Semilla a despeito do processo eleitoral, algo que acontece com o aval da CC.

Até o momento, o panorama de ‘todos contra a FECI’ parece indicar que, apesar da turbulência, o segundo turno vai acontecer e que o Semilla não será barrado. Outro elemento que deu certo respiro diante dos rumores sufocantes foi uma carta à nação publicada pelo próprio presidente Giammattei no último dia 10, ou seja, antes da mais nova crise: nela, o mandatário nega boatos “falsos e tendenciosos” que o acusam de querer se manter no poder. Ele também faz um chamado por votações no prazo correto e diz que passará o bastão em janeiro do próximo ano a “quem for eleito”. 

Mas, em se tratando da Guatemala de hoje, nunca se sabe. Especialmente pelos nexos íntimos demais de Giammattei com o Ministério Público, sempre implacável contra os adversários políticos e civis do presidente. Sem Arévalo na disputa final, o terceiro colocado do primeiro turno poderia ter uma nova chance: e o nome dele é Manuel Conde Orellana, do Vamos, o candidato do oficialismo.

CAPA: Apresentação de relatório anual do Ministério Público da Guatemala, em maio. À esquerda, na primeira fileira, Rafael Curruchiche, chefe da Procuradoria Especial Contra a Impunidade (FECI). Foto: Governo da Guatemala via Flickr

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