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Guatemala vai às urnas em crise e sem 4 candidatos

GIRO LATINO

Em pleito marcado pela exclusão controversa de alguns presidenciáveis e polêmica manutenção de outros, guatemaltecos também votam sob fantasma de perseguições a opositores do governo

24 de jun. de 236 min de leitura
24 de jun. de 236 min de leitura

Chegou o dia: no domingo (25), mais de 9 milhões de guatemaltecos poderão escolher um novo presidente, vice, 160 deputados, 20 representantes no Parlamento Centro-Americano (Parlacen) e outras centenas de cadeiras em nível municipal. Mais do que dar à população o poder de definir novos cargos, a votação do final de semana também testará os limites da democracia de um país que, há pelo menos dois anos, convive com uma profunda crise judicial, política e, em tempos recentes, eleitoral. O cenário é pantanoso: como explicado em detalhes pelo GIRO LATINO, quatro presidenciáveis – incluindo Carlos Pineda, que chegou a liderar pesquisas recentes, e a chapa composta pela líder indígena Thelma Cabrera e pelo ex-procurador de direitos humanos Jordan Rodas – tiveram candidaturas suspensas ou excluídas do pleito. Mas, apesar de diversos alertas vindos de dentro e fora do país, essas decisões controversas se mantiveram inalteradas até o fechamento desta edição, às vésperas do primeiro turno. 

São “critérios arbitrários que infringem o direito à participação política”, disse à RFI a ONG estadunidense Washington Office on Latin America (WOLA) a respeito das impugnações, e algo que faz as eleições acontecerem em um “contexto de deterioração do Estado”, declarou a Human Rights Watch. Representante da HRW nas Américas, Juan Papier relacionou o contexto eleitoral delicado aos desmandos do atual presidente conservador Alejandro Giammattei, que nos últimos anos é acusado de liderar uma onda de implacáveis perseguições judiciais e de aparelhar o Ministério Público, entre outras instituições, contra opositores. Para Papier, tudo isso é parte de um “projeto político” do líder direitista, fato que se soma à prisão do jornalista (e notório crítico de Giammattei) José Rubén Zamora, recentemente condenado a seis anos de prisão no caso mais emblemático envolvendo os alegados abusos de autoridade e perseguição promovidos por órgãos sob a batuta do presidente. 

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Enquanto a densa poeira de crise que paira sobre as urnas não baixa, a incerteza também se desenha nas pesquisas eleitorais. Segundo consulta feita pelo Grupo Impacto 360, que ouviu 900 pessoas entre os dias 9 e 12 deste mês, o binômio liderado pela conservadora Zury Ríos larga na frente entre 25,5% dos entrevistados. Filha do finado ditador Ríos Montt – que entre 1982 e 1983 liderou um curto e brutal mandato conhecido pelo massacre de milhares de indígenas no contexto da Guerra Civil (1960-1996) – a líder de direita foi alvo de protestos convocados por grupos originários que pedem a anulação de sua candidatura justamente por sua filiação. Ao mesmo tempo que “viola o direito de participação” de Thelma Cabrera, dizem os indígenas, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) falha ao permitir a participação de Ríos. Há um precedente: no início do ano, exatamente como em eleições passadas, a candidata viu sua candidatura ser impugnada com base em um artigo da Constituição que veda a participação eleitoral de familiares de golpistas – a decisão, porém, foi revertida pelos tribunais constitucionais a favor da herdeira do general, gerando polêmica. É isso mesmo: pelo artigo 186 da Carta Magna guatemalteca, envolvidos num golpe e no governo subsequente ou seus parentes de até quarto grau de consanguinidade não podem postular à Presidência. No entanto, o entendimento atual da Justiça é que a regra só vale para a primeira eleição após o fim de um regime de exceção, o que liberaria a participação da filha do ditador.

Zury Ríos, porém, não lidera todas as pesquisas. Com 21,3% das intenções de voto, a empresária Sandra Torres, que chegou a ser presa em 2019 por corrupção, aparece em primeiro lugar nas consultas do Encuesta Libre, feitas entre 5/6 e 14/6. Antiga companheira do ex-presidente Álvaro Colom (2008-2012), falecido este ano, Torres é figurinha conhecida no jogo político guatemalteco e já tentou chegar ao Executivo pelo voto em 2015 e 2019, sendo derrotada por Alejandro Giammattei nas últimas eleições. A líder política representará a Unidade Nacional de Esperança (UNE), mesmo partido de Colom e conhecida legenda social-democrata, de centro; ela, no entanto, vale-se de um discurso bem mais conservador. Assim como Ríos, Torres também teve candidatura impugnada mais cedo este ano, já que seu vice, o pastor Romero Guerra, estaria impedido de se postular ao cargo por sua função religiosa, outro impedimento eleitoral previsto constitucionalmente. 

Mas de forma similar ao desfecho da filha do ditador, Torres viu tudo ser apatifado pelas altas cortes e pôde seguir normalmente na corrida eleitoral. As outras quatro candidaturas mencionadas no início, porém, não tiveram a mesma sorte, o que só aumentou o burburinho. 

Em terceiro lugar na pesquisa do Grupo Impacto 360 (16,8%) e como segundo mais bem cotado na promovida pelo jornal Prensa Libre (13,4%) aparece Edmond Mulet, diplomata de carreira à frente do centro-direitista Cabal. Com cargos de relevância na ONU, incluindo o de chefe da missão da entidade no Haiti nos anos de intervenção internacional no sempre convulsionado país caribenho, Mulet ficou muito perto de se tornar o quinto candidato excluído do pleito: meses atrás, o mesmo órgão do Ministério Público acusado de perseguição acusou o diplomata de obstrução de justiça, após Mulet apresentar recursos legais a favor do jornalista José Rubén Zamora – cuja detenção ele também critica. Apesar das tentativas do MP de levar o caso à Justiça para excluir o candidato das eleições, nada foi adiante. O presidenciável, porém, criticou as investidas e o “assédio” do que chamou de “forças mais obscuras do país”. 

É nesse contexto turbulento que os três candidatos mais bem cotados, ao lado de uma longa lista com outros 19 nomes menos conhecidos, tentarão chegar à Presidência. Mas o caminho é longo, especialmente em um país onde o voto não é obrigatório e a abstenção está sempre à espreita. E tudo aponta para um segundo turno, marcado para 20/8, já que nenhum dos candidatos parece chegar perto dos 50% mais um dos votos válidos para vencer de primeira – algo que deve repetir o que ocorreu em todas as eleições desde 1985, quando a Guatemala voltou à democracia. Um regime democrático que sofreu duras investidas sob o governo Giammattei e cujo futuro dependerá dos resultados preliminares deste final de semana.

CAPA: Inauguração de ponte no município de Chicaman, no departamento El Quiché, na Guatemala. Foto: Governo da Guatemala via Flickr

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