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Equador: indígenas voltam a paralisar país contra governo

Giro Latino

Manifestantes da Conaie se mobilizaram em várias partes do país contra alta dos combustíveis. Leónidas Iza, líder do movimento, foi preso temporariamente.

24 de jun. de 225 min de leitura
24 de jun. de 225 min de leitura

No Equador, como em poucos lugares da América Latina, se os indígenas protestam, o governo treme. E não foi diferente desta vez: nesta segunda-feira (13), um novo paro nacional foi convocado pela poderosa Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). Desde 1990, a entidade organiza levantes semelhantes: bloqueou estradas em diversos pontos do mapa e rapidamente conquistou a adesão de outros setores sociais, prometendo rumar à capital. Em um dos atos de maior repercussão, Leónidas Iza, o líder máximo da Conaie, chegou a ser preso – e logo liberado, depois que as manifestações se intensificaram pedindo sua soltura. A pauta original não é inédita, e está conectada à fúria pela alta dos preços de combustíveis, que provoca carestia geral. A revolta é ainda maior por se tratar de um país exportador de petróleo.

A nova rodada de paralisações da Conaie ecoa o movimento que já havia trazido problemas para o presidente Guillermo Lasso entre outubro e novembro de 2021 (relembre no GIRO #105). Na época, as lideranças indígenas também bloquearam rotas e marcharam pelo país, chegando a uma proposta com 10 pontos principais que o governo prometeu atender, mas segue ignorando, o que motivou a volta dos protestos nos últimos dias. Além de um congelamento dos preços dos combustíveis em um valor inferior ao que é cobrado hoje, a agenda da Conaie inclui subsídios para cerca de 4 milhões de famílias de baixa renda, a renegociação de taxas de juros para equatorianos endividados, a redução de preços para insumos agrícolas e uma revisão das leis trabalhistas que ajude a combater a crescente precarização, entre outras medidas – quase sempre bem distantes da agenda liberal que o ex-banqueiro Lasso prometeu colocar em vigor quando foi eleito.

Mais do que a memória dos protestos de 2021, porém, o que assusta o governo e seus apoiadores é a recordação também fresca do levante de outubro de 2019, quando o então presidente Lenín Moreno (2017-2021) flertou com a derrubada e, acossado, precisou até mudar provisoriamente a sede do governo de Quito para Guayaquil. A repressão subsequente, enquanto o país esteve sob estado de exceção, exigiu até a instalação imediata de uma Comissão da Verdade que investigou mais de 200 casos de violações de direitos humanos e seis execuções extrajudiciais por agentes do Estado. Lá, antes da pandemia e da guerra russo-ucraniana, também os combustíveis foram a pauta prioritária que levou os indígenas às ruas: tentando impor medidas de austeridade como parte de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo queria dar fim ao histórico subsídio que garantia preços baixos nas bombas de gasolina, e viu-se obrigado a recuar após as manifestações. Não fossem suficientes os paralelos, vale lembrar que Lasso se tornou ele próprio mais um mandatário a alcançar acordos bilionários de empréstimo com o mesmo FMI nos meses recentes de crise, reacendendo ainda mais a velha chama – já que as contrapartidas de aperto fiscal por parte do Fundo seguem irredutíveis. 

Em 2019, durante a paralisação de 11 dias, estimaram entidades empresariais na época, a economia equatoriana perdeu US$ 800 milhões – um número que agora volta a ser martelado na cabeça de Lasso para que encontre uma saída mais rápida para a crise. Em 2022, os bloqueios já vêm causando transtornos: o próprio governo calcula que os primeiros quatro dias úteis de paralisações desta semana teriam deixado prejuízo de US$ 50 milhões e, em Guayaquil, o comércio atacadista já registra falta de produtos vindos de outras províncias e a necessidade de controle oficial para evitar açambarcamento e vendas majoradas no mercado paralelo.

Enquanto o governo Guillermo Lasso, com popularidade em queda e há meses em guerra aberta com o Congresso, ainda não oferece uma solução que agrade à Conaie, estudantes, professores e transportistas são alguns dos setores que se aglutinam em torno das demandas. Leónidas Iza, detido em Cotopaxi – 75 km ao sul de Quito – no início da madrugada de terça-feira (14) sob a acusação de organizar “bloqueios ilegais”, foi liberado menos de 24 horas depois por ordem judicial, e ganhou ainda mais força para aumentar sua influência após o episódio. Tratado como herói por seus pares e repetindo a todo momento que os policiais só encontraram em seus bolsos “uma fita métrica, US$ 1,55 em dinheiro e uma moeda de dois euros”, Iza definiu sua prisão como um “sequestro político” e pediu cuidado redobrado aos correligionários: o governo, afirma ele, quer vender o movimento indígena como violento e composto por vândalos, e pode infiltrar pessoas para ajudar a fortalecer essa imagem. Depois, brincou: “o lado bom da minha prisão foi aprender como é andar de helicóptero”, fazendo referência à forma como foi transferido. 

Com a luta contra a carestia como bandeira, Iza ironizou o argumento de Lasso de que os protestos só teriam como objetivo a desestabilização do governo e não contariam com um estopim claro: “certamente, senhor presidente, o senhor diz isso porque não compra no mercadinho da esquina”. Na sexta (17), a Conaie deu a si mesma 48 horas para organizar a logística do deslocamento rumo a Quito, dando ao governo uma última chance de evitar a escalada dos protestos: adotar a agenda de 10 pontos negociada em 2021 antes que os dois dias se passem. 

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