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Colômbia: atentado mata 9 militares e balança planos de paz

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Atribuído ao Exército de Libertação Nacional (ELN), ataque a bomba contra militares pode virar obstáculo em negociações entre guerrilha e governo de Gustavo Petro, que ainda sonha com ‘paz total’

5 de abr. de 235 min de leitura
5 de abr. de 235 min de leitura

Publicado na edição de 05/04/2023

Os planos de “pacificação total” do presidente colombiano Gustavo Petro não parecem uma tarefa fácil. Na quarta-feira (29), essa meta ficou ainda mais distante após um atentado a bomba atribuído ao Exército de Libertação Nacional (ELN) deixar nove militares mortos e outros feridos na região de Catatumbo, em Norte de Santander, não muito longe da fronteira com a Venezuela. O pelotão, que foi vítima de emboscada durante a madrugada, estava de guarda protegendo o oleoduto Caño Limón-Coveñas, cujas operações já haviam sido suspensas pela Empresa Colombiana de Petróleos (Ecopetrol) um dia antes devido a ataques similares. Petro usou as redes para condenar os “assassinatos cometidos por aqueles que hoje estão absolutamente distantes da paz e do povo”. 

O próprio governo, que tenta de todo jeito assinar um acordo de paz com a guerrilha, deu nome aos bois rapidamente: em uma nota compartilhada pelo presidente, o chefe da equipe de negociações de paz com o ELN, Otty Patiño, disse que o bombardeio põe em xeque a “confiança dos cidadãos” em relação às intenções de pacificação do grupo, além de “dilacerar profundamente a cordialidade” entre as partes que buscam o acordo. Após a desmobilização das antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) em 2016, o ELN se tornou a maior guerrilha oficialmente ativa no país. No documento, Patiño também cita hostilidades contra civis em Cauca, Arauca, Chocó e Nariño, algumas das regiões mais afetadas pela violência armada.

O comandante do ELN, Eliécer Herlinto Chamorro Acosta (de codinome “Antonio García”), mencionou o atentado do Norte de Santander em sua conta no Twitter na quinta-feira (30), mas alegou que o grupo “tem recebido uma série de ataques desde janeiro e nunca houve qualquer pronunciamento por parte de funcionários do governo ou dos meios de comunicação”. 

As relações entre os dois lados da mesa já andavam, no mínimo, estremecidas. Nos primeiros dias do ano, pouco após Petro anunciar um longo cessar-fogo com o ELN e outras células dissidentes, representantes da guerrilha vieram a público negar qualquer tipo de ação recíproca; o impasse gerou ruídos e forçou o governo a dar uma declaração de última hora, que dizia, na verdade, que os tais decretos anunciados “não tinham vigência” – tudo teria evoluído apenas com base em discussões preliminares que haviam ocorrido semanas antes em Caracas, palco da primeira rodada de negociações de paz sob mediação de países observadores. 

Desde o disse-me-disse em janeiro, já houve até outro encontro, o segundo desde a retomada do diálogo: em 13/2, guerrilha e governo se sentaram na capital do México em busca de novas soluções que viabilizassem uma trégua. Mesmo assim, o objetivo principal – o cessar-fogo – novamente não foi alcançado; até aqui, o saldo das duas primeiras rodadas inclui apenas a libertação de presos e envio de apoio humanitário a regiões afetadas pelo conflito armado. Enquanto não ocorre o terceiro encontro no âmbito das negociações de paz, o governo colombiano convocou uma reunião emergencial com a delegação do ELN nesta sexta-feira (31), na Casa de Nariño. 

A insistência de Petro em uma solução pacífica não é à toa: ele próprio é um ex-guerrilheiro do M-19, grupo de vertente socialista que assinou – e cumpriu – um acordo de paz com o governo colombiano em 1990. Esse detalhe biográfico, aliado ao fato de ele ser o primeiro presidente de esquerda na história do país, parecia a fórmula perfeita para redefinir as relações entre o Estado e a complexa rede de atores sociais envolvidos no conflito armado. A realidade, porém, é mais dura. 

Apesar das intenções pacifistas da nova administração, o risco agora é que o atentado da última semana inicie o recrudescimento das relações, levando a uma nova suspensão das conversas, como em 2019: em janeiro daquele ano, quando o país ainda estava sob o comando do direitista Iván Duque (2018-2022), um outro ataque cometido pelo ELN contra uma academia da polícia deixou pelo menos 11 mortos e dezenas de feridos, pulverizando qualquer chance de diálogo à época. O contato só foi restabelecido com a chegada de Petro ao cargo mais de três anos depois. 

Vale reforçar: ainda que os diálogos avancem e um novo acordo seja assinado, nada garante que isso signifique efetivamente uma “paz total”, como denomina o governo. Prova disso são os tratados com as FARC em 2016: o desmantelamento da maior guerrilha do país na época pretendia um futuro livre de guerra civil — mas, ao mesmo tempo, abriu o caminho para grupos dissidentes e colocou combatentes aposentados (muitas vezes convertidos em defensores socioambientais) na mira de células paramilitares e grupos de extermínio. Até o momento, 1.439 líderes sociais foram assassinados desde a assinatura dos acordos com as FARC, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz). Não menos obscuras são as feridas deixadas pelas Forças Armadas na população durante as últimas décadas: pelo menos 6.402 civis foram mortos sistematicamente para inflar números de combate às guerrilhas, caso conhecido como o dos “falsos positivos”.

Desde 2022, são estes os pilares de uma estrutura que Gustavo Petro pretende (e promete) reconstruir. Mas em uma sociedade que não conhece a vida sem a sombra da guerra, o caminho para um desfecho positivo é ainda mais tortuoso.

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