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Chile tenta mudar Constituição pela ‘última vez’

GIRO LATINO

Quatro anos após acordo para substituir a Carta herdada da ditadura, Chile tem plebiscito neste domingo para concluir 2º processo constituinte no período. Pesquisas indicam tendência de nova rejeição

16 de dez. de 236 min de leitura
16 de dez. de 236 min de leitura

Do estallido social de outubro de 2019 até o mais novo plebiscito constitucional deste domingo (17), o Chile vai ter passado por uma troca de presidente, duas constituintes e nada menos que cinco votações diretamente relacionadas ao tema da mudança de Carta Magna para o país. Fosse para decidir se queriam mudar mesmo, para eleger o órgão que faria isso ou, como neste final de semana, para dar a palavra final se adotam ou não a proposta de nova Constituição colocada sobre a mesa, os chilenos tiveram quatro anos de intensas discussões sobre as bases legais do país.

Tudo parece ter mudado drasticamente na nação transandina em um dos períodos de maior efervescência política das últimas décadas, influenciado também por uma pandemia e por uma crise econômica que dinamitou os índices de segurança pública, mas algo seguiu inalterado: a própria Constituição que tanto se tentou modificar nesse período.

Se as pesquisas acertarem, a tendência é que outra vez a cidadania chilena opte por manter as coisas como estão. As principais enquetes, como a do Cadem ou do Pulso Ciudadano, com diferentes critérios, indicavam ao final de novembro uma tendência de rejeição da nova em números que se aproximavam dos 55% a 45% em votos válidos, com certa margem para mais ou para menos – mas sem sinal de uma reversão plausível em nenhuma das pesquisas de mais reputação, ainda que os institutos chilenos tenham adquirido uma má-fama por erros em anos recentes.

Cópias da nova proposta de carta constitucional, que será votada em plebiscito no dia 17/12. Foto: Governo do Chile via Flickr
Cópias da nova proposta de carta constitucional chilena, que será votada em referendo no dia 17/12. Foto: Governo do Chile via Flickr

Desta vez, ao contrário do que aconteceu quando a tentativa anterior de reescrever a Constituição foi rejeitada, em setembro de 2022, um novo “não” da população dificilmente reinicia o processo constituinte: agora, as várias correntes políticas do país chegaram a um entendimento quase unânime de que é preciso tirar “férias constitucionais” e abandonar o tema até segunda ordem – com exceção do Partido Comunista, até mesmo a esquerda já concordou que não há mais clima para seguir tentando, embora tivesse sido ela a artífice original do movimento por uma nova Carta.

Da última vez, a noção dominante era que os acordos firmados no final de 2019 exigiam a mudança da Constituição, não importava como: ou seja, se a nova proposta fosse rejeitada, como de fato foi, o problema era do texto ou da forma como ele foi elaborado, mas não da ideia em si de modificá-lo. Agora, porém, uma dupla rejeição em um intervalo tão curto é encarada como um sinal da exaustão e da troca de prioridades do país, que viu o ímpeto de quatro anos atrás arrefecer frente a demandas mais imediatas causadas pelas crises econômica, social e de segurança — agravadas nos anos após o estallido pelo combo sequencial de covid-19 e guerra na Europa. A mesma esquerda que um dia quis trocar de Constituição agora faz campanha contra o novo texto, que não avança nos pontos onde ela desejava, e traz retrocessos em outros, estabelecendo, por exemplo, regulamentações mais duras em temas como migração e aborto.

Pudera: entre as muitas mudanças vistas no cenário chileno de 2019 para cá, está a perda de protagonismo da própria esquerda na elaboração do texto. Se no primeiro processo constituinte foram os progressistas que dominaram o debate, dispondo de uma maioria tão robusta na Convenção Constitucional que nem precisavam negociar com a oposição (situação que muitos críticos apontaram como uma das causas do fracasso no referendo, já que teria “faltado diálogo” por um texto mais equilibrado), desta vez o cenário se inverteu por completo: não apenas a direita ficou nessa mesma posição de poder avançar sua agenda sem dialogar, como a maior representação era composta pelo Partido Republicano, a ultradireita de José Antonio Kast, o presidenciável derrotado por Gabriel Boric em 2021.

A baixa popularidade do presidente chileno, Gabriel Boric, foi um dos motivos para a rejeição da proposta de Constituição anterior, votada em 2022. Boric era um dos principais defensores da aprovação do texto, e o resultado do plebiscito foi interpretado como uma derrota do presidente. Foto: Governo do Chile via Flickr
A baixa popularidade do presidente chileno, Gabriel Boric, foi um dos motivos para a rejeição da proposta de Constituição anterior, votada em 2022. Boric era um dos principais defensores do texto, e o resultado do plebiscito foi interpretado como uma derrota do mandatário. Foto: Governo do Chile via Flickr

A rigor, nem a própria direita parece muito satisfeita com o texto que vai ao escrutínio da população neste final de ano, com algumas lideranças dizendo que o Conselho Constitucional cedeu além da conta para pretensões progressistas, o que gerou discussões internas sobre a melhor forma de se posicionar publicamente às vésperas da votação – inclusive com políticos republicanos se retirando da sigla, caso do senador Rojo Edwards no início deste mês. Outros conservadores acreditam que estão diante de um cenário em que vencem por qualquer lado, seja por aprovar sua nova Carta, seja por manter aquela que os esquerdistas sempre detestaram. Já na esquerda que não quer arriscar mais mudanças, agora há quem busque um consolo argumentando que a manutenção do texto atual não significa seguir com a “Constituição de Pinochet” ipsis litteris, mas sim com a “Constituição de Lagos” – em referência às reformas feitas durante o governo do ex-socialista Ricardo Lagos (2000-2006), que removeu uma série de resquícios autoritários do texto original imposto em 1980.

Neste domingo, no que possivelmente será a ‘última vez’ que a geração do estallido terá a oportunidade de alterar a Constituição, mais de 15 milhões de eleitores podem confirmar a tendência de manter tudo como está – ou surpreender políticos, institutos de pesquisa e analistas, dando uma vitória da opção “a favor”, lançando o país em um inusitado calendário para substituir a ordem legal vigente há mais de quatro décadas. Nesse segundo cenário, uma série de normas transitórias entrariam em cena até a plena adoção do novo texto. Mais do que o resultado final, políticos de todas as vertentes estarão de olho também nas porcentagens e na votação de cada rincão do país, encarando o pleito deste domingo como uma preliminar do novo ciclo eleitoral do Chile, que em 2024 terá votações regionais e municipais e, em 2025, renovará Congresso e Presidência da República.

CAPA: Moradora do bairro de Conchalí, em Santiago de Chile, recebe o texto da nova proposta de Constituição em 29 de novembro. Foto: Governo do Chile via Flickr

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