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Chile elege nova Constituinte em clima de desilusão

Giro Latino

Bem distantes do entusiasmo que tomou o país após os protestos de 2019, chilenos votam assuntos relativos à Carta Magna pela quarta vez, agora com chance de ascensão da direita

6 de mai. de 235 min de leitura
6 de mai. de 235 min de leitura

A história parece repetida e o nome até sugere isso: neste domingo (7), o Chile volta às urnas para mais uma votação envolvendo a elaboração de uma nova Constituição, em um clima de muita dúvida e questionamento entre eleitores. Depois do fracasso da última tentativa, agora os chilenos não sabem dizer se o processo finalmente vai ganhar tração. Mas, tirando o fato de que desse novíssimo sufrágio deve sair mais um comitê para ajudar a escrever a Carta Magna, o que se vê neste final de semana se difere totalmente do entusiasmo e da expectativa de um futuro realmente diferente para as leis fundamentais do país – espírito que marcou as etapas anteriores do longo processo desencadeado pelo estallido social de 2019, nome dado às manifestações massivas que geraram um acordo político para a criação da Constituinte.

Desta vez, o que mais une os chilenos é o sentimento de desilusão. Pesquisas mostram que a maioria da população, simplesmente exausta ou indiferente com a evolução da última jornada constituinte, agora não está nem aí. O levantamento Pulso Ciudadano indicou que quase 48% dos chilenos diz estar “pouco ou nada interessado” no processo, contra apenas 29% que se dizem “muito interessados”. Já a pesquisa Criteria coloca a mudança de foco em perspectiva: em 2021, quando se elegeram os membros da última Convenção Constitucional, a enquete constatou que havia um interesse geral de 66% no processo; agora, o mesmo instituto indica que o número despencou para 31%. 

Exausta ou indiferente com a evolução da jornada constituinte, a população agora não está nem aí

Além de desinteressada, a população também mostra que tem outras prioridades no momento: na época do estallido e nas eleições subsequentes, pautas sociais apareciam com mais destaque; desta vez, porém, o que domina são as preocupações em torno da segurança pública, com o país vivendo um agudo aumento da criminalidade nos últimos dois anos – uma situação que, como costuma acontecer na política, promete favorecer a direita (por sinal, a mais ampla coalizão conservadora concorre sob o nome “Chile Seguro”). A Convenção original teve tantos nomes identificados com a esquerda que esse lado do espectro político tinha votos suficientes para passar as propostas que desejava, sem nem precisar negociar com os conservadores.

No fim, essa mesma composição acabaria servindo à propaganda de que a Carta Magna era irrealista e prometia direitos demais sem saber como pagar por eles – argumento que, mais tarde, ajudaria a derrubar o texto no plebiscito definitivo. Agora, com o presidente Gabriel Boric atravessando um período de popularidade em baixa que se reflete em toda a esquerda chilena, a expectativa é que as listas progressistas acabem sub-representadas, inclusive com possibilidade de eleição de nomes da extrema-direita.

Reunião da mesa diretora da Convenção Constitucional em Valparaíso, no Chile, em 11 de maio de 2022. Foto: Johanna Zárate Pérez / Câmara de Deputados do Chile
Reunião da mesa diretora da Convenção Constitucional em Valparaíso, no Chile, em 11 de maio de 2022. Foto: Johanna Zárate Pérez / Câmara de Deputados do Chile

O que está em jogo neste domingo é a eleição do chamado “Conselho Constitucional” de 50 membros que será apenas um dos braços responsáveis por escrever o texto (outra diferença em relação à Constituinte anterior, que era um órgão único). É a quarta vez que os chilenos são convocados a votar por algum tema relacionado à nova Constituição: em outubro de 2020, tiveram que decidir se de fato queriam uma nova Carta Magna (78% disseram sim), e que tipo de órgão deveria elaborá-la; em maio de 2021, escolheram os integrantes da Convenção Constitucional que faria isso; por fim, em setembro de 2022, o texto resultante desse processo foi submetido a plebiscito – e, em um pleito de voto obrigatório, 62% dos eleitores rejeitaram a ambiciosa proposta. Agora, o Chile precisa conciliar o fato de que a população até pediu uma nova Constituição, mas não aquela de 2022. E é nesse contexto de desânimo e incerteza que o país transandino tenta tudo de novo, com algumas mudanças de rota na composição dos órgãos responsáveis por produzir o texto.

O processo que se desenrola hoje se afastou da versão “hiperdemocrática” da Convenção anterior: para começar, um anteprojeto constitucional já está sendo elaborado por uma “Comissão de Especialistas” composta por 24 juristas não-eleitos, nomeados pelo Congresso em março. Já a Constituinte que será escolhida neste final de semana, além de muito menor em relação à anterior (50 membros contra 155 da última), abriu mão do traço mais distintivo do processo: se em 2021 os chilenos escolheram entre nomes independentes, sem vinculação com partidos políticos, agora o voto será dado em listas fechadas apresentadas pelas próprias siglas. O novo processo, mais enxuto em integrantes, também tem tempo curto: tudo tem que estar pronto ainda em 2023, pois o plebiscito definitivo para adotar ou não o texto está marcado para dezembro.

Foto de capa: Câmara de Deputados do Chile pouco antes de sessão da Convenção Constitucional em junho de 2021. Créditos: Divulgação / Câmara de Deputados do Chile

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