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Áudios explosivos e babá grampeada: o escândalo que sacode a Colômbia

GIRO LATINO

Círculo presidencial enfrenta briga interna e áudios vazados sobre suposto financiamento ilegal de campanha; Petro convoca protestos em defesa de reformas que tramitam no Congresso

8 de jun. de 237 min de leitura
8 de jun. de 237 min de leitura

As declarações de uma babá coagida por seus ex-patrões chocaram a Colômbia, mas o caso não demorou para virar uma verdadeira bola de neve: forçou a renúncia de dois membros do alto escalão do governo e desatou novas revelações de suposto financiamento ilegal da campanha do presidente Gustavo Petro. Em resposta, o mandatário acusou um suposto “golpe brando” e tentou abafar o caso convocando uma reação enérgica de apoiadores em ruas de todo o país. Mas, apesar da demonstração de força, a atual administração passa por seu pior momento de aprovação popular.

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A mais nova novela colombiana começa por um nome: Marelbys Meza, que trabalhava como babá da família da então chefe de gabinete presidencial Laura Sarabia. À revista Semana (algo como uma Veja colombiana), no fim de maio, Meza contou que foi submetida a testes de polígrafo (mais conhecido como detector de mentiras) num porão escuro perto da Casa de Nariño, sede do governo, em janeiro. De acordo com ela, sua ex-patroa desconfiava que ela tivesse roubado um grande volume de dinheiro em espécie. Na última quarta-feira, a W Radio acrescentou um detalhe importante que ficou de fora na versão original da história: Armando Benedetti, ex-senador e futuro embaixador em solo venezuelano, também submeteu a babá a um interrogatório semelhante, quando ela trabalhava na casa dele. Foi justamente Benedetti quem teria indicado Meza para Sarabia, sua ex-chefe de gabinete no Senado. O caso detonou como granada no campo minado da política colombiana.

O seguinte desdobramento causou ainda mais espanto, já que tratava de um tema sensível para ativistas, políticos de esquerda e jornalistas: as chuzadas, como são conhecidas as interceptações telefônicas no país e que já desataram escândalos de grampos ilegais em governos anteriores. Dessa vez, a pessoa chuzada teria sido… Marelbys Meza. Mas ninguém consegue explicar muito bem o porquê.

A babá Marelbys Meza, o ex-senador Armando Benedetti e a ex-chefe de gabinete presidencial Laura Sarabia, junto ao presidente Gustavo Petro. Fotos: Divulgação; Presidência da Colômbia via Flickr
A babá Marelbys Meza, o ex-senador Armando Benedetti e a ex-chefe de gabinete presidencial Laura Sarabia, junto ao presidente Gustavo Petro. Fotos: Divulgação; Presidência da Colômbia via Flickr

A revista Cambio e o canal Reporte Coronell revelaram que o celular da babá foi indicado por uma fonte anônima ligada ao Clã do Golfo, um dos maiores grupos narcos do país, segundo contou o policial responsável pelo caso. A princípio, o número de Meza teria sido grampeado dentro de uma lista de pessoas ligadas ao cartel, mas, quando os investigadores perceberam que as conversas dela não tinham qualquer relação com o Clã do Golfo, solicitaram ao Ministério Público que a interceptação de Meza fosse interrompida. Segundo o advogado do policial envolvido na história, outra procuradora pediu uma nova interceptação do celular da babá e da empregada doméstica de Laura Sarabia, em razão da denúncia de roubo feita pela então chefe de gabinete presidencial. Isso soou os alertas dentro do MP e da Procuradoria-Geral da República, cujo chefe Francisco Barbosa é um ferrenho opositor do presidente. Quando a história estourou, Barbosa chamou as interceptações telefônicas de “ilegais”, mas não mencionou que uma das tentativas de grampo partiu do próprio MP.

Petro não esperou o caldo engrossar e, na última sexta-feira (2), pediu a renúncia de Benedetti e Sarabia, garantindo que seu governo “não faz grampos ilegais”. Sem o cargo, Benedetti perdeu o foro privilegiado para enfrentar acusações por lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito na justiça – e teve o visto dos EUA cancelado.

Ex-embaixador colombiano Armando Benedetti, ex-chefe de gabinete presidencial Laura Sarabia e chanceler Álvaro Leyva junto ao presidente colombiano Gustavo Petro em visita a Caracas, na Venezuela, em março. Foto: Presidência da Colômbia via Flickr
Ex-embaixador colombiano Armando Benedetti, ex-chefe de gabinete presidencial Laura Sarabia e chanceler Álvaro Leyva junto ao presidente colombiano Gustavo Petro em visita a Caracas, na Venezuela, em 23 de março. Foto: Presidência da Colômbia via Flickr

O país mal teve tempo de entender a trama e caiu uma nova bomba: áudios furiosos de Armando Benedetti foram vazados pela revista Semana no domingo (4), com nítidas ameaças direcionadas a Laura Sarabia, embora a voz dela jamais apareça nos trechos publicados. Além dos inúmeros xingamentos contra a antiga aliada, as gravações trazem informações desconexas sobre possíveis financiamentos ilegais de campanha: “vamos todos presos”, “e se alguém disser que colocou a grana na Costa, hein?”, “ninguém me deixa esperando três horas, alguém que conseguiu 15 bilhões de pesos [cerca de R$ 17,4 milhões]”.

Em outra entrevista publicada na terça-feira (6), Benedetti confirmou que os áudios são de meados de maio, quando ele e Sarabia discutiram por telefone, mas se recusou a detalhar as supostas doações irregulares para a campanha de Petro.

Em meio ao escândalo, representantes da bancada governista e da oposição comentaram as declarações de Benedetti, o silêncio de Sarabia e a reação de Petro. Enquanto a oposição acredita que o presidente tinha conhecimento sobre as supostas doações ilegais, já que Benedetti foi seu coordenador de campanha, os governistas tentaram se distanciar da figura do ex-embaixador, dizendo que ele nunca foi um membro confiável da coalizão Pacto Histórico.

Com a turbulência política, o Congresso congelou temporariamente as reformas trabalhista, previdenciária e da saúde, uma decisão que enfureceu Gustavo Petro. No Twitter, o presidente colombiano jogou lenha na fogueira, denunciando um suposto “golpe brando” contra seu governo, na tentativa de inflamar apoiadores.

O presidente da Câmara de Deputados, David Racero, explicou que os debates foram paralisados a pedido de vários parlamentares da oposição, que argumentaram que não havia clima político para prosseguir com as discussões. Mas foi justamente Racero, da bancada governista, quem decidiu suspender os trabalhos.

Manifestação em Bogotá em apoio às reformas do governo Petro, em 7/6. Foto: Presidência da Colômbia
Manifestação em Bogotá em apoio às reformas do governo Petro, em 7/6. Foto: Presidência da Colômbia via Flickr

Nesta quarta-feira (7), no embalo das declarações presidenciais nas redes, apoiadores de Petro ocuparam as ruas de todo o país em atos pró-governo. É a estratégia presidencial para demonstrar força junto aos movimentos populares, mas os números apontam para uma realidade um tanto diferente. Pesquisas recentes mostram que a aprovação do governo colombiano despencou para cerca de 34% – em novembro do ano passado, essa parcela da população rondava os 50%.

Além do recente capítulo envolvendo duas das figuras mais próximas ao círculo presidencial, outros casos igualmente inflamáveis podem explodir a qualquer momento – dois deles ligados ao irmão e ao filho de Petro, acusados de envolvimento em esquemas de propinas milionárias. A mais nova novela da política colombiana está só começando.

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