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Argentina chega ao Dia D por seu futuro

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Em 2º turno, eleitores são convocados para a derradeira escolha entre a manutenção do peronismo com Sergio Massa ou o mergulho no radicalismo de Javier Milei

18 de nov. de 235 min de leitura
18 de nov. de 235 min de leitura

Em um país onde a população é convocada a votar três vezes no mesmo ano – além dos dois turnos habituais das eleições, ainda há primárias obrigatórias no começo do processo –, a sensação é que tudo o que poderia ser dito sobre o pleito argentino deste domingo (19) já ocupou seu devido espaço nas páginas de jornais, sites e newsletters versando sobre o tema. Amanhã, cidadãos argentinos encaram as urnas pela última vez para decidir os nomes que governarão o país até 2027 – agora, de forma definitiva, e em uma escolha afunilada entre o governista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei, dono de um discurso radical que já vem tentando moderar após se assustar com pesquisas que indicaram empate técnico às vésperas do pleito (embora com leve vantagem para o extremista do La Libertad Avanza).

Milei, apesar de tentar se revestir com ar de novidade, vem seguindo a cartilha já batida da extrema-direita por todo o mundo: passou a semana anterior ao pleito acusando (“preventivamente”) uma suposta fraude que poderia fazê-lo perder as eleições. “Novo”, mesmo, é o que pode reviver de velho em sua República: promessas de dolarização que lembram o que foi feito nos dias de Carlos Menem (1989-1999), um período que até teve relativa prosperidade econômica, mas culminou com o colapso de 2001, cujas consequências o país sofre ainda hoje; e uma candidata a vice com a coragem de defender a última ditadura do país, algo raro naquelas bandas, e pleitear até mesmo perdões para repressores, inclusive contrariando a postura de alguns militares atuais. Os anos de chumbo no país vizinho, vale lembrar, deixaram mais de 30 mil vítimas, entre mortos, torturados e desaparecidos, segundo estimativas de entidades de direitos humanos e investigações judiciais – um número que Milei negou durante a campanha.

Massa, por outro lado, chega às urnas tendo como principal mérito não ser Milei. “Superministro” da Economia no último ano e meio, carrega na bagagem resultados desalentadores, com aumento da pobreza e uma inflação prevista para bater os 185% em 12 meses ao final deste ano. E, ainda que a crise perpétua do país também não tenha sido tão menor nos anos do liberal Mauricio Macri (2015-2019), é bom lembrar que eleitores costumam, no geral, culpar quem está no poder – como é o caso do grupo político de Massa. 

A votação na Argentina será também um divisor de águas sobre a memória dos 'anos de chumbo' da ditadura, cujos crimes são minimizados pela chapa de extrema-direita. Foto: Ministério de Cultura da Argentina via Flickr
A votação na Argentina será também um divisor de águas sobre a memória dos 'anos de chumbo' da ditadura, cujos crimes são minimizados pela chapa de extrema-direita. Foto: Ministério de Cultura da Argentina via Flickr

Alguns analistas também veem o candidato peronista como aquele mais capaz de apartar a ala kirchnerista do poder, por seu perfil mais tecnocrata e pela necessidade de criar conciliações com a oposição em caso de uma difícil vitória, algo que não ocorreria com Milei – que poderia até empoderar uma oposição liderada por Cristina Kirchner. Em todo caso, as projeções do que um triunfo de Massa representaria na queda de braço interna no peronismo só reforçam que o debate dos últimos meses vem sendo centrado muito mais por aquilo que se acredita que o presidenciável não é do que por aquilo que pode vir a ser.

Largando em terceiro lugar nas primárias e passando a uma surpreendente liderança de votos no primeiro turno, Massa confia em um crescimento na reta final, valendo-se de medidas temporárias como isenções no pagamento de impostos e congelamento de preços – além da força eleitoral intrínseca ao peronismo e do temor de muitos eleitores em relação ao desconhecido representado pelo outro candidato. Confia, também, nas boas relações com seu vizinho mais poderoso, o Brasil de Lula, como instrumento para ajudar na recuperação econômica dos próximos anos – algo que poderia não ocorrer sob Milei, que não teve qualquer pudor em chamar o petista de “comunista” e garantir que não negociaria com ele. Por fim, o risco de repetir o Brasil de 2018, com inevitáveis comparações feitas entre o libertário extremista e Jair Bolsonaro, também passeia pelo imaginário do eleitorado argentino, que desde o final da ditadura nunca havia chegado tão perto de eleger alguém tão radical. 

Como na velha piada ruim, a Argentina chega às eleições deste final de semana colocada diante do abismo, tendo que decidir entre duas coisas: dar um passo à frente rumo ao (perigoso) desconhecido ou manter as coisas como estão, o que tampouco dá garantias de que não terminará lá embaixo.

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